Vivemos diversas situações em nosso dia-a-dia que exigem de nós mais que uma boa audição. Experimente pedir o seu prato favorito naquele restaurante movimentado que você ama ir com sua família aos domingos ou colocar a conversa em dia com um amigo que não vê há muito tempo e que acabou de encontrar em uma festa. Agora, pense no universo de uma criança que frequenta diariamente o ambiente escolar. Se ela apresenta dificuldades para compreender situações de fala, a primeira suspeita que se levanta é de uma possível deficiência auditiva. Mas e quando os exames de audiometria revelam uma audição dentro dos parâmetros de normalidade? Nesses casos, é importante considerar uma alteração no processamento auditivo central.
O Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) – veja aqui porque o termo Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC) foi substituído por TPAC - afeta as vias centrais da audição, ou seja, as áreas do cérebro relacionadas às habilidades auditivas responsáveis por um conjunto de processos que vão da detecção à interpretação das informações sonoras. Em boa parte dos casos, o sistema auditivo periférico encontra-se totalmente preservado. A principal consequência está na dificuldade de processamento das informações captadas pelas vias auditivas. A pessoa é capaz de ouvir, mas demonstra dificuldade em interpretar a mensagem recebida.
Lembra das situações de comunicação na festa e no restaurante movimentado? Conseguir entender o que uma pessoa está falando em um ambiente com muitos ruídos ou sons depende de habilidades do processamento auditivo central, como o fechamento auditivo e a figura-fundo auditiva. O mesmo vale para uma criança na escola, quando precisa prestar atenção no que o professor explica, acaba se distraindo com algo, perde alguma palavra e precisa compreender o que foi dito. Além do fechamento auditivo e da figura-fundo, desenvolvemos ao longo da infância uma série de outras habilidades auditivas como localização sonora, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos e aspectos temporais da audição.
Como já vimos em outro post, as experiências auditivas têm papel importante na capacidade de comunicação interpessoal, favorecendo a compreensão das informações, a socialização e principalmente o aprendizado, além de atuar no desenvolvimento das habilidades auditivas.
Quando alguém apresenta alterações no processamento auditivo central, poderá apresentar comportamentos característicos que são precedidos por sinais que geralmente se manifestam desde a infância. É importante estar atento a eles, pois quanto mais precoce for o diagnóstico melhor será o processo de reabilitação para o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades auditivas afetadas.
Principais sinais e queixas relacionadas ao TPAC
Agitação ou distração excessivas
Hiperatividade
Apatia
Baixo rendimento escolar
Dificuldades na alfabetização
Troca de sons na fala
Troca de letras na escrita: inverte letras parecidas (b, d, p, q) ou troca letras com sons parecidos (p/b, t/d, f/v, m/n)
Erros gramaticais
Esquecer o que ouviu ou leu
Dificuldade para compreender variadas entonações na comunicação, como piadas e frases de duplo sentido
Dificuldade de escutar em ambiente ruidoso
Dificuldade em compreender ordens e regras
Confundir-se ao contar um fato ou história
Dificuldade em se expressar
Algumas situações do dia-a-dia, como já citamos no início, podem demonstrar como dependemos das habilidades auditivas em diversos momentos de nossas vidas:
Conversar em ambientes com muito ruído, como em uma padaria com o liquidificador ligado ou em uma rua em obras
Ao assistir um filme, quando você perde alguma palavra ou frase e precisa entender o que está acontecendo
Entender o que foi dito quando prestamos atenção em duas pessoas falando ao mesmo tempo e perdemos alguma informação
Quando precisamos compreender uma língua estrangeira sobre a qual não temos domínio
Compreender uma pessoa que está com a voz rouca ou gripada
Diferenciar a intenção de frases pela entonação da voz
Perceber aspectos sonoros de diferentes sotaques
Conseguir diferenciar sons parecidos, como “tia” e “dia”
Manter o foco de atenção em uma pessoa, quando há muitos estímulos no ambiente
Identificar de onde vem o som de uma buzina ao atravessar uma rua com pouca visibilidade
No trânsito, quando se aproxima a sirene de uma ambulância, polícia ou bombeiro e devemos dar passagem
Num local público, como um parque ou padaria, quando alguém nos chama
No cinema ou em um espetáculo de música, quando um amigo quer nos fazer um comentário e queremos continuar prestando atenção na atração.
Seja na sala de aula, em um ambiente de coworking, em lugares públicos,- ou no estudo de línguas, as alterações nas habilidades do processamento auditivo central produzem sinais que merecem atenção. Conhecê-los e falar sobre eles pode ajudar familiares, professores e profissionais da saúde a reconhecerem, o quanto antes, uma possível alteração do processamento auditivo central e fazer os encaminhamentos corretos para avaliação, orientação e tratamento, minimizando dificuldades comunicativas e desempenho escolar.